Do outro lado da janela do ônibus uma mulher chama-me a atenção. É negra e já deve ter os seus cinqüenta e poucos ou sessenta carnavais. Não sei o que me leva a linkar a mulher com o pastel que come. Acho que era de queijo. Um pensamento inusitado me ocorre: Que coisa brasileira, uma mulher negra comendo um produto oriental com recheio italiano, em um bairro de imigrantes árabes. Volto os olhos, de volta, para meu livro. Sigo o caminho da roça.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Bons profissionais
Minha profissão depende dos maiores e mais generosos intelectuais. Homens e mulheres que cultuam os jovens, não com uma adoração impossível ou saudosista, mas com um tesão que só pode ser explicado pelos seus gestos. Pessoas já graduadas como mestres ou premiadas no mundo inteiro, pessoas que a qualquer hora sem mais nem por que, podem vir discutir a sua cena, a cena de um iniciante em teatro. Essa vontade de ensinar e aprender, sinceramente me fascina. Homens que escrevem livros para o futuro, cartas desse tempo lançadas na esperança de que essa profissão e esse sentimento jamais tenham fim.
Como Zé Renato, o furacão do teatro de arena que abalou toda uma concepção estética e física. Esse homem. Esse homem de teatro, que com seus 85 anos ainda produz excelentes peças (se não as melhores do circuito) como Chapetuba (do Vianinha) e Lágrimas de um Guarda-Chuva ( Eid Ribeiro ) esse homem que agora ganha uma biografia com o subtítulo de “ Energia eterna” e realmente é acertado o título, ainda que eu pense que deveria ser coroado com “Generosidade” ou “ Arte”.
Na noite de autógrafos do livro, não sei se fui o único, mas senti uma agonia, em ver que todos esses gênios estavam transformando-se em “história do Brasil”, sendo que o Brasil não precisa de história... Precisa de presente. Essa nova geração que teve contato com os mestres, não pode de forma alguma desistir. Tem como obrigação ao menos levar isso adiante, melhorar, situar-se na sociedade como verdadeiros e sinceros artistas.
“Zé Renato” guarde esse nome, você ainda vai ouvir falar muito (mais) nele.
Agora vou ler as novas aquisições: O Teatro de Alberto Guzik (coletânea de peças) & José Renato – energia eterna. ( Hersch Basbaum.)...
Logo menos rasgo mais seda por aqui.
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
Sobre um mundo sozinho e lotado
As pessoas presas nos seus empregos, seis, oito ou até doze horas por dia, cada vez mais elas roubam horas do trabalho para investirem em suas vidas ou em seus momentos de solidão. Antes o msn, esperar alguém ficar online e conversar por partes, toda a tarde. Depois o orkut, lançar vários recados e administrar as respostas entre uma outra ocupação. Agora o Twitter. O Twitter onde você não precisa esperar ninguém ficar online e muito menos esperar uma resposta. É só lançar uma frase, para você se sentir parte de algo, para se sentir parte da conversa. Para fazer parte do show basta um pensamento, um minuto do seu expediente. Ou talvez dez minutos para ler o que todos seus contatos escreveram durante o dia. Pensar em tudo isso e trabalhar com a cabeça em outro lugar. Se antes sentíamo-nos solitários lendo um livro grosso... Agora nos temos a sensação de que somos compreendidos e de que estamos acompanhados com 140 caracteres.
domingo, 25 de outubro de 2009
Noções básicas de Sherlock Holmes
Sherlock Holmes em “A Juba de Leão.”
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“Você sabem, ou Watson escreveu em vão, que eu possuo um vasto repertório de conhecimentos estranhos, que não atende a nenhuma sistematização científica, mas que muito ajuda em meu trabalho. Minha mente é como uma sala repleta de pacotes de todos os tipos – tantos que posso ter apenas uma percepção vaga do que existe dentro deles.”
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Sherlock Holmes em “O construtor de Norwood.”
“Ele construiu uma rede da qual, até poucas horas atrás, me parecia impossível escapar. Mas Oldacre não possuía o dom supremo do artista ele não sabia a hora de parar. Quis melhorar o que já era perfeito e apertar ainda mais a corda em volta do pescoço de sua vitima, e assim pôs tudo a perder.”
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Sherlock Holmes em “Um Estudo em Vermelho”
“É um erro capital teorizar antes de ter todas as evidências.”
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Sherlock Holmes em “O Signo dos Quatros”
“Como todas as outras artes, a Ciência da Dedução e Análise é uma que só pode ser adquirida através de um longo e paciente estudo, no entanto a vida não é suficientemente longa para permitir a qualquer mortal alcançar a mais elevada perfeição possível.”
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Sherlock Holmes em “Os Dançarinos”
“Todos os problemas se tornam infantis depois de explicados.”
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Sobre instinto de ator.
Hoje no metrô apressado para pegar o último ônibus e, e, e, e, e... Esbarrei em uma menina de uns vinte e poucos anos. Bonita. Nariz bastante mergulhado no buço e olhos vivos, muito vivos. Virei rápido e quando ia lhe pedir desculpas, de repente (não mais que de repente) não as pedi. Fiz o meu olhar mais bondoso e um sorriso leve. Ela fizera o mesmo. Eu já a vinha olhando desde o vagão, a menina surda e muda (ou talvez só surda ou talvez só muda) não poderia ouvir minhas desculpas , mas um olhar calmo e longo com um sorriso leve ela certamente compreenderia. Talvez se eu estudasse medicina não tivesse essa
" velocidade " em me expressar. Acredito que esse monte de ensaios que eu tenho costurado na minha semana tenham me dado algo que eu não esperava, uma agilidade em contornar a dificuldade de se expressa que o ser humano vive mas que o ator luta contra. Acho que o menino que a acompanhava ficou com ciúmes.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
Conversas do dia. Passei e ouvi. Desconhecidos
Estou seguindo a Yoko Ono no Twitter...!
Falou em tom de deboche. Gritou para as amigas. Senti como se a Yoko fossem como um desenho animado. Como se ele estivesse seguindo o Mickey. MAS eu ainda acho que ela seja uma pessoa. Engraçado como "gente famosa" deixa de ser gente. E o Twitter é a única ferramente de humanidade. Talvez a única ligação entre esse menino, Yoko e o mundo lá fora.
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Sobre amigos e "picadilha"
Picadilha, não sei exatamente o que isso significa. Um amigo sempre fala para os mais variados fins e eu acho que é algo que nos inspira. Faz-nos viver melhor. Dá-nos a chance de compreendermos essa tal de picadilha. A picadilha vem me fazendo viver mais leve e intensamente. "A vida é uma picadilha" nada com que devamos nos preocupar ou levar muito a sério, isso sem nos tornamos irresponsáveis mas ...A picadilha me faz não sofrer por antecipação ou morrer de ansiedade. Não tento mais prever o futuro. Vivo a boa e velha picadilha que a tantos anos compõe a alegria entre esses bons companheiros. O Duff velho companheiro de muro ao meio) é um cara que admiro, trabalha, estuda tem seus interesses e vive plenamente a picadilha. Sinto que cada momento lhe é importante. Não são grandes momentos ou talvez sejam. Ou talvez a picadilha os transforme em momentos inesquecíveis. Acho que a força disso tudo esta em aproveitar a vida antes que ela se aproveite de você.
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Meu sincero amigo Mr. Sherlock Holmes
Desde os 13 anos eu cultivo essa amizade com o caro Holmes e o bom camarada John H. Watson. Isso me fez bem com certeza, influenciou na minha escrita na minha leitura e nos meus sentimentos. Tenho saudade de quando lia cada um dos livros do grande Sir Arthur Conan Doyle, com enorme cuidado, para que não chegassem ao fim. Lembro que a primeira vez (E única?) que me emocionei/chorei com um livro, foi com o curto e dolorido "O Problema Final” onde o detetive tão carismático e surpreendente deixa o mundo dos vivos (aparentemente). Foi uma leitura tão gostosa e marcante que reli o mesmo conto mais de 15 vezes e em todas (por mais absurdo que pareça) eu lembro de ter tido a mesma sensação em cada uma das vezes, hora atentando a um ponto hora a outro... Ou pensando na dor de Watson ou pensando no 221 da Rua Baker vazio para sempre. Realmente eu tinha/tenho uma ligação com esse universo e com esses seres. A saudade na noite de ontem fez-me reler novamente e... Surpresa. O resultado foi o mesmo. Fico feliz de ser tocado por um texto tão antigo, mas que para mim é tão atual, moderno, vivo e importante. Cada linha é uma lembrança do Cão dos Baskerville ou de Um Estudo em vermelho, onde Holmes ainda é apresentado como um jovem. Fascinante. E hoje já me peguei lendo a continuação igualmente tocante, "A Volta de Sherlock Holmes" embora tenha sido criticado para mim é outra obra prima, "A Casa Vazia" a volta de Holmes e os sentimentos de Watson me levam a crer que ainda terei minha tão sonhada "época de Holmes" outra vez. Ler tudo na ordem e como deve ser lido. Pegar as melhores traduções e voltar a aplicar a ciência da dedução como já fiz tantas vezes na vida.
domingo, 11 de outubro de 2009
O que será que será?
Hoje sonhei que dormia na mesma cama que minha mãe, como a muito não costumo dormir. E que ela recorria a mim com medo de uma cabeça que flutuava na frente da porta do armário. O medo não era da cabeça e sim dos cabelos dessa cabeça masculina que flutuava. Os cabelos ficavam se mexendo e ela só dizia isso "os cabelos do homem se mexem" e eu zombava da entidade. Ela se irritou. Olhei para a parede lateral e vi que não era minha casa. Era uma casa de campo em um campo enorme e com um céu azulado. Alguns galhos secos ainda davam aquela impressão de filme de terror e minha mãe apavorada acendia a luz que para mim continuava apagada. Eu via que estava acesa para ela, mas eu continuava no escuro. Não lembro bem do resto, só posso dizer com certeza que meu pai e uma churrasqueira fazem parte da continuação. Meu sonho foi nitidamente expressionista e eu quero sonhá-lo de novo. Fez-me acordar pensando em teatro e em como deixar essa impressão de enormidade em um palco.
sábado, 10 de outubro de 2009
Do livro-entrevista do meu mestre
Página 102
Autran - Quando estava montando o Burguês, em 68, tinha consciência de que estava levando um texto da maturidade de Molière. E eu, o diretor e o elenco tratamos a peça como ela tinha de ser tratada: como uma obra produzida no auge da capacidade do autor. Pois bem, o publico ria sem parar com as piadas de Molière. Era m espetáculo muito bonito, a direção de Ademar Guerra & Marika Gidali era ótima, mas o que fazia sucesso era a peça de Molière. Porque O Burguês Fidalgo não tem a ver com Molière do início de sua carreira, nada a ver com a commedia dell’arte. É uma comédia de costumes. E atualmente acho uma pena que, ao montarem essa obra-prima, as pessoas tenham a necessidade de inserir piadas tiradas de outras peças, de inventar gags visuais pára montar um texto que não precisa de nada disso. Como se os criados de trabalhos assim não confiassem na força do texto. Talvez seja uma questão de nível cultural. Os diretores menos inteligentes, menos cultos, pensam que Molière é apenas um pretexto para se fazer um outro tipo de peça. Mas nossos melhores diretores sabem que não é assim.
Clássicos x Polêmica
Não acredito em textos imortais. São poucos e acho que ainda não conheço nenhum. Se eu tivesse que citar um eu diria que Antígona pode ser um desses textos. Não vejo essa coisa atemporal em Molière ou Shakespeare, não sem um pequeno ajuste de direção. Acho que não se pode monta-los respeitando 100% a época o estilo e até mesmo os bifes. Para que continuem imortais precisam ter algo de natural de real e de “moderno” de forma mais leve. Modernidade simples, respeitando o padrão da peça, mas expondo uma nova visão. Sei que isso soa estranho, mas penso isso para que esses textos não “morram” para que eles continuem interessantes e pertinentes, o público merece textos dessa qualidade, mas não com cara de museu. Montar na íntegra é ótimo para o ator e os outros envolvidos artisticamente no projeto. Mas não sei se é válido um texto que só dialogue com seus encenadores. Um texto deve fazer a estrada entre o público o ator a direção e sem dúvidas entre o autor, e por isso acredito em textos que podem manter-se imortais desde que sempre um olhar novo os reintegre a nossa realidade. O sentimento do texto sempre será o mesmo a diferença esta em quem o escuta.