segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

At Last

Hoje acordei e tomei uns gritos do meu irmão, roubei um livro dele, sorte que consegui ler na mesma noite, ou agora estaria eu pensando no destino do pobre Henry Chinaski (Bukowski - Hollywoody). Liguei a tv pra acordar de vez, "OLHA A HORA OLHA A HORA" gritou o gordinho do canal da manhã, e continuou gritando. De repente passou a rodada do futebol, e os desastres da madrugada, e o lanche de mortadela do mercadão, assim, juntinhos, como irmãos. Fiquei vendo esse povo que perde carro, casa, pai, mãe, móveis, tudo. Esse povo que se levanta toda manhã pra ir buscar mais coisas, e que, quando volta pra casa, talvez não tenha mais nada ao que se agarrar. Perguntei-me como é que eles conseguem, como não desistem, porque eu, que nunca perdi nada e nem invisto meu tempo em coisas que possa perder (pelo menos não sem bater com a cabeça), já desisti faz tempo. Já desisti de ser infeliz e nem aceito mais essa possibilidade, acho que é isso, eles e eu, fazemos o melhor com o que temos. Reconstruindo nossas casas e roubando os livros que queremos ler.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Sensç..Dão...

Da peça nova ( não tão nova ) que vou dirigir nesse ano.

Sensação de Algodão -

Igor- A gente aqui é o de menos. A gente aqui ou ali ou seja lá onde for... A gente em qualquer lugar, comprando, vendendo, doando, não muda muita coisa. A gente casando, separando, comendo batatinha na chuva... Nada passa do chão, a gente ta na chuva e pode perceber, você vai perceber, que isso não vai mudar nada na sua vida, nem na minha. Você pelo menos costura. E a Terra é tão grande pra a gente achar que pode mudar alguma coisa, o rumo das coisas é tão complexo, tudo depende dos ventos e do equilíbrio entre as coisas... Equilíbrio do mar, do céu e da nossa solidão...

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Anarquia praiana.

A gente atravessava uma mata molhada, úmida e de um verde falso. Um verde que arrombava a escala de cores. Dois paredões vivos protegiam a trilha de areia misturada com cascalho e pegadas antigas. Sempre o caminho foi esse, passávamos com exatidão no meio da trilha, nem pendendo para a esquerda, nem para a direita, com os dedos dos pés sempre apertados, tínhamos medo de bichos. Da casa branquinha no começo da trilha, até a praia bege de fundo azul no final da jornada. Quando passávamos juntos acontecia o ritual dos olhares ao redor, quando separados passávamos correndo na reta. Quando sozinhos tentávamos andar sem encostar os pés no chão, como se sozinhos os bichos pudessem nos achar mais frágeis e indefesos. O Paulinho tinha o recorde de ter passado o caminhozinho pisando apenas cinco vezes no chão, e no final ele deu uma “voada”, só que não soube explicar como, só sabemos que ele deu mesmo uma “voadona” até a praia. Meu pai não tinha desses problemas, passava sempre de tênis. Minha mãe também não, nunca ia até o final da estradinha, sempre gritava do começo “vem comer” ou “cuidado com o mar”, mas nós, os primos, tinhamos problemas sim. E o ritual se repetiu por anos e anos, até o dia que fui para a casa de praia com 15 anos. Estávamos todos passando na estradinha com meu primo de guia. A estradinha que com 7, 8 anos era formada por longos 30 passos, hoje em dia se bastava em 7, mas foi então que no quinto passo meu primo parou. Parou. Virou. Parou e se virou, estendeu o braço e curvou os arbustos para entrar direto no inferno de besouros, vespas e cobras de 3 metros (segundo minha mãe havia descrito anos antes). Ficamos paralisados diante da primeira anarquia praiana, resolvemos (em segundos e sem conversa nenhuma) entrar também, curvamos o arbusto e vimos o primo-guia parado olhando pro chão, paramos ao seu lado e vimos plásticos velhos, marrons, amarelados, esticados, enrolados, com nó. A prima Sarah foi a primeira a dizer: “ Ih ! É camisinha! Camisinha usada!”. Saímos todos correndo, naquela noite fiquei pensando se ainda era virgem, mesmo depois daquela visão, resolvi que ainda era. Sonhei com meu pai de tênis e minha mãe de avental. No dia seguinte acordei cedo, meti a cabeça na janela e vi meus primos correndo pela estradinha, pulando como antigamente, logo sai e fiquei parado na frente da estradinha, tomando coragem para atravessá-la. Não tinha motivo pra correr, por que meus primos teriam voltado então ao antigo ritual? Quando foi minha vez de passar me dei conta, também passei em 5 passos, com os dedos apertados e pisando com os calcanhares, de quebra ainda voei no final, fiquei com nojo de pisar em alguma coisa também. Aliás, nunca mais ninguém quis comer o pavê com claras em neve da minha mãe ( comíamos quando em casa, na praia nunca mais. )

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Justiça

Um dia meu pai contando alguma história soltou uma frase de efeito: Quando a gente tem razão, a gente nunca perde uma briga. Eu devia ter uns 7, 8 anos, sempre fui magrinho, fraquinho, folgadinho. Mas pra eu conseguir socar alguém, bastava que eu tivesse razão? É isso mesmo? No mesmo dia eu procurei meu irmão, fiquei sentado na frente dele um tempão, procurando lembrar de algum motivo pra dar-lhe uns tapas, lembrei de alguma coisa que nem sei mais o que era,não importa o motivo, o fato é que eu tava com a razão, lembro como se fosse agora, cheguei perto, agarrei pelo pescoço, então ele colocou a mão no meu peito,me empurrou e deu um soco, pela primeira vez nessa vida eu consegui esquivar de um soco do meu irmão mais velho, meu pai tinha razão! Eu também! Seria uma surra do cara com razão! Então veio o segundo, um belo soco na minha boca. Fiquei puto, apanhei com razão e agora meu pai ainda era um mentiroso, foda, foda...

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Li Nelson antes dos 20, deu nisso.

Sofro de desilusão eterna. Como se eu fosse uma criança de 1 ano de idade que descobre que dentro da cartola não tem coelho nenhum, tem só truque, só artifício. Com 16 descobri que dentro da vida não mora amor nenhum, tem só carência, momentos e breves instantes de confusão, de ambos os lados. Todo dia eu tento voltar no tempo, tento esquecer o que aprendi, mas eu não só aprendi como apreendi e me arrependi, o que tornou tudo tatuado em mim, na minha dramaturgia, no meu teatro e na minha vida. Como se a vida fosse só esperar para o próximo engano e a próxima vez da próxima vez da próxima vez. Viver de momentos é como usar crack. Viver esperando uma semana como aquela... Coisa estranha pensar que realmente é como uma droga, eu poderia gastar o que eu tenho para conseguir de novo aquela sensação, e depois, sofrer abstinência, sofrer da realidade conclusiva de que as coisas não são como são quando são boas. Eu reconheço todo mundo que já não acredita mais, todo mundo que ja nadou pelas ondas e que hoje se incomoda com a parte calma do mar. De olhos profundos e humor barato a gente segue a vida, esperando conhecer alguém num bar, numa platéia de teatro, no curso novo, no trabalho novo, ou mesmo, quando a gente se força pra sair, a gente vai à padaria a pé, a gente vai ao mercado a pé. Só pra conhecer alguém. E eu vou a pé pra todos os lugares, não que eu procure alguém, eu procuro momentos, ando vivendo lindos, mas, como a vida é assim, a gente sempre tem que ter saudade do que não temos mais direito ou vontade de sentir absolutamente nada.
"Ninguém nesse mundo é feliz tendo amado uma vez"

Medo da Chuva ( Raul Seixas )

E eu ainda tenho muito medo da chuva.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Eu acredito que toda mulher tem, teve ou terá um caso de Sarinha nessa vida.

Sarah, a Sarinha, é a personagem que uso em todos meus textos, ela as vezes aparece como ninfeta, esposa, mãe, as vezes eu mudo o nome, mas eu sempre escrevo sobre ela , sobre essa Sarah que só existe nas minhas teorias "homemXmulher".




Então ela me contou do dia que soube que era feriado e que perderia a virgindade. Marcou pelo telefone com o menino. Quando desligou o tal, lembrou-se imediatamente da calcinha feia e meio puída que havia escolhido para aquele dia, não sabia que receberia visita, não havia se preocupado com isso. Então ela me contou, toda sem jeito, de como foi difícil convencer a amiga a trocar de calcinha, ali no banheiro do escritório. Sarah com a calcinha de Renatinha, que por sorte já recebia visitas mais freqüentes e vestia uma calcinha mais interessante. Não posso, nem ninguém poderá se furtar a imaginar a cena das amigas trocando as calcinhas para agradar o tal menino, foi como se ele tivesse faturado algo nas duas, em uma o corpo e a primeira vez, na outra, em Renatinha, o agrado, a compaixão e o cooporativismo sexual que sei bem, há de ter despertado algum interesse naquela que ficou com a calcinha feia.

Sarinha foi enfiada num escritório para não ter tempo depois do colégio, e para ter sono de noite, era uma luta desesperada para manter a menina (bonita) longe dos meninos (mais velhos). Por tragédia o patrão era judeu, em algum feriado desses que a gente nem sonha comemorar, foi dia livre no trabalho,de surpresa as pequenas foram mandadas embora no começo do dia, o resto do mundo trabalhou e Sarinha folgou. Ninguém desconfiou nem duvidou, para todos os efeitos : Sarinha? Estava tra-ba-lhan-do. Por 365 dias do ano era sabido e cuidado o lugar onde Sarah deveria estar, mas bastou um dia, só um dia, para Sarah pensar (para o resto da vida) duas vezes antes de escolher uma calcinha para ir tra-ba-lhar. Aliás, naquele dia, a menina fez questão de no jantar contar como foi chato carimbar documentos e somar notas o dia todo. Tra-ba-lhou muito naquele dia "papai".

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Um amigo que mora na minha cabeça

Uma luz tombada na pracinha, em homenagem a um músico cansado. Voltou para casa pé (vacilante) ante pé (indeciso), desde a lonjura da casa dela assobiou umas notas falsas, o músico cismado, cismou que estava com os lábios desafinados. Com os olhos profundos e a camisa úmida, não tinha pra quem olhar, nem porquê manter-se seco. Deixou a chuva encher seus bolsos e desenrolar os cachos em longas faixas escuras esparramadas pela testa. Só queria de volta a afinação e o feeling musical, se pegou gostando de um samba antigo, mal tocado na caixinha de fósforos, se pegou gostando de um musicão melado tocando no rádio do vizinho. Esfarelado no molhado. “A sombra de quem é feliz... A sombra...”. Não conseguia. Repetia versos ruins, nublados e polifônicos. As palavras pareciam só significar coisas, “luz” parecia só aquele pedaço de vidro curvado que ilumina as casas, assim como "casa" parecia só o lugar que abrigava seu quarto, onde ficava sua cama, onde ficava a paz. O nariz apontado pro teto, os olhos apontados pra dentro, não conseguia nada, não conseguia. A academia de música em Paris, o “nenhuma” que escreveu naquele e-mail e depois ficou cismado entre “nenhuma” e “nem uma”, a vontade de corrigir todos os e-mails que enviou na vida, a vergonha de imaginar alguém lendo seus erros de português. Assobiou uma nota de Hadestown, merda, ainda desafinado.

-Alô?

Era engano. Mais um engano.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O herói da vida moderna e paulistana

Não é mago do reino, não tem conhecimento técnico para tal... Seu tracejado é inerente à outra vontade, é volátil como um capricho, mas é intenso como o Sol. Como os cavaleiros burros que só sabem fincar espadas, ele quase sem cultura só sabe fazer o que quer, ele corre em direção ao Sol como um tal de Roberto Zucco. Deixa pelo caminho uma legião de espectadores indecisos, só ele tem certezas, só ele pode. Seu sucesso de alguma forma redime a todos nós, ele que sem poder, estudou na mais cara escola de cavalaria do reino de São Paulo e hoje trabalha para o rei, tem um séqüito de seguidoras e por uma falha trágica que atravessa florestas e cumes, só quer saber de ir mais longe, como um tal de Roberto Zucco. Ele quer atravessar o Sol, e eu realmente acho que ele vai atravessar o Sol, vai atravessar com os dentes, pra trás ele deixa desgraças familiares, pobreza e inveja. Ele que é um gênio desses destinados, um Lula, um Roberto Carlos, um gênio que não lê Freud nem aprecia Balzac, ele não precisa, é um genuíno gênio do povo brasileiro e sua riqueza mora no “vamo que vamo”, no “é nóis”. Com o pai ignorante e amor sublime pela mãe, ele galgou cada légua dessa longa jornada fama adentro. A riqueza dele mora na carne, mora no suor quase braçal que derrama a cada chance que a vida lhe abre. É um Cazuza pouco bonito. De fé e de talento ele existe. Acho que ele será uma estrela explosiva, como foi Cazuza, como foi... Roberto Zucco.

É sempre bom lembar

HAMLET

Peço uma coisa, falem essas falas como eu as pronunciei, língua ágil, bem claro; se é pra berrar as palavras, como fazem tantos de nossos atores, eu chamo o pregoeiro público pra dizer minhas frases. E nem serrem o ar com a mão, o tempo todo; moderação em tudo; pois mesmo na torrente, tem-pestade, eu diria até no torvelinho da paixão, é preciso conceber e exprimir sobriedade - o que engrandece a ação. Ah, me dói na alma ouvir um desses latagões robustos, de peruca enorme, estraçalhando uma paixão até fazê-la em trapos, arrebentando os tímpanos dos basbaques que, de modo geral, só apreciam berros e pantomimas sem qualquer sentido. A vontade é mandar açoitar esse indi-víduo, mais tirânico do que Termagante, mais heróico do que Herodes. Evitem isso, por favor. (...) Mas também nada de contenção exagerada; teu discernimento deve te orientar. Ajusta o gesto á palavra, a palavra ao gesto, com cuidado de não perder a simplicidade natural. Pois tudo que é forçado deturpa o intuito da representação, cuja finalidade, em sua origem e agora, era, e é, de exibir um espelho à natureza; mostrar à virtude sua própria expressão; ao ridículo sua própria imagem e a cada época e geração sua forma e efígie. Ora, se isso é exagerado, ou então mal concluído, por mais que faça rir ao ignorante só pode causar tédio ao exigente; cuja opinião deve pesar mais no teu conceito do que uma platéia inteira de patetas. Ah, eu tenho visto atores - e elogiados até! muito elogiados! - que, pra não usar ter-mos profanos, eu diria que não tem nem voz nem jeito de cristãos, ou de pagãos - sequer de homens! Berram, ou gaguejam de tal forma, que eu fico pensando se não foram feitos - e malfeitos! - por algum aprendiz da natureza, tão abominável é a maneira com que imitam a humanidade!

William Shakespeare - Hamlet

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011




A marca das mãos, a sincronicidade das expressões, a força das pernas, o peso do movimento, a estrutura criada em foto. A cabeça marcada, o movimento mecânico, a precisão da altura do olhar. O leve toque, a leveza da mão direita e o peso dos ombros da esquerda. Pra mim essa é uma foto-obra-prima como conceito de direção, adoro ver e rever. Acho incrível a forma como a direção fica no ator, quando trabalhei essa cena, dirigi cada olhar, cada altura, cada gesto, é interessante ver como a memória física cola nas personagens, eu nem estava lá e a cena aconteceu da forma como concebi. A gratidão de fazer teatro é essa, as coisas que acontecem por querer e sem querer na linha do breve momento.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Ano a cobrar.

Os azulejos lisos refletiam as roupas brancas e impregnavam o cheiro de ceia, as pessoas davam voltas em si, transparentes umas as outras. Meia noite e ninguém se abraçou no 31 de dezembro. Toques polifônicos resultantes das discagens rápidas, e dos “enviar” sendo apertados ao mesmo tempo. Ela pensou em pegar o celular, abriu o visor e o viu desligado, tentou ligar e o viu sem bateria, não descarregado, e sim, sem a bateria. Olhou para os lados, estranhou o celular desmontado na bolsa, olhou para os lados, encontrou os olhos dele, com a bateria no bolso da camisa.

- Fica comigo, passa o ano novo comigo, depois você liga.

- Preciso ligar pras pessoas!

- Não precisa, a gente não precisa ligar pra ninguém.


Abraçaram-se e no mundo surdo de um ouvido, ficaram juntos. Enquanto a parentada apertava o celular num ouvido e o dedo indicador no outro, ficaram juntos. Somente eles, humanos e envolvidos no meio de um carrossel de pessoas ligando para quem estava no outro cômodo.