domingo, 28 de fevereiro de 2010

Trecho do novo conto

Parte V

Aos 15, papai resolveu que eu deveria aprender outra língua, mamãe concordou e eu fui tomar as aulas no Mosteiro próximo de casa, deixei de ir para passear no parque, tinha medo daquele lugar, todo em pedra sabão, escuro e cheio de sombras e cantos tristes e baixinhos. Santos sangrando nas esculturas e gente chorando nos bancos, eu achava um lugar muito grande, os padres dali eram quase todos estrangeiros, ensinavam latim, francês e espanhol. Alguns dias depois de eu ter deixado de freqüentar as aulas que só me matriculei, padre Santiago ligou em casa, lembro que não me deu bronca, foi gentil e tinha a voz doce. De repente ele começou a falar em francês comigo, não entendi nada, e continuei sem entender todas as vezes que ele me ligava, mas eu adorava atender e ficar a tardinha toda escutando ele falando em francês comigo. Passaram-se dois meses assim, disse à papai que as aulas eram assim por que Padre Santiago não tinha tempo para marcar, então quando lhe sobrava tempo me ligava para dar uma lições, e assim foi, todas as tardinhas atendia e ficava embaixo da mesinha do telefone escutando ele falar francês e imaginando ele fazendo biquinhos nas palavras. Um dia resolvi ir vê-lo, conhece-lo de verdade, fui ao mosteiro, lembro da roupa que escolhi, perguntei por ele e disseram que iriam buscá-lo, esperei e dois homens vieram carregando um velhinho pelos braços, um de cada lado carregando um senhor de uns 70 anos, vestindo a batina preta, os cabelinhos do lado bem ralos e um babador bege. Sai correndo, não quis acreditar que aquele velho era o Padre Santiago que me ligava com voz doce, também nunca quis acreditar que fora ouvindo o francês daquele velho que me masturbei pela primeira vez. Nunca mais quis atendê-lo, inventei para mamãe que ele havia me dito coisas no telefone, eu sabia o que papai faria. Papai foi arrebentar padre Santiago, mas não fez nada, ele era muito velhinho mesmo.

6 comentários:

  1. a genialidade adquirida é tolerável, e eu espero que seja esse o seu caso, do contrário seria inevitável ter de me deparar com meu próprio desdém humano-decadente. isso seria um desaforo.


    gosto de seus escritos. e bastante.

    mARIA

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  2. Obrigadooo, Maria querida! Espero não te desaforar, dá um trabalhão fazer essas coisas, preciso ouvir muitas frases soltas na rua, mas é uma delicia... Seu blog me causa o mesmo desaforo, tou sempre relendo por lá, beijoos.

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  3. Marcio, eu devo confessar q. tenhu medo do que se passa em sua mente quando leio seus contos?

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  4. que maravilha, grande amigo artista!
    tens palavras de sabedoria como ninguém.
    admirável.

    Pri t.

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  5. Brigado Pri! valeu pelo incentivo =] Espero correponder sempre, beijos

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