sexta-feira, 8 de abril de 2011

Entrei no ônibus com todas as possibilidades do mundo, encontrei dois amigos indo do bairro pro centro, mais duas vidas que andam se arrastando por aí. Sentei do lado de uma menina com um ar de felicidade, cabelo claro, olhos claros e uma bolsa arrebentada em cores gritantes. Ficamos namorando no rabo de olho, eu lendo John Fante e ela me vendo ler John Fante, comecei a ler o livro de trás para frente, percebi sua vista confusa, sorri de lado reconhecendo minha sacanagem, ela também. Ela acompanhando minha leitura e eu acompanhando seu olhar curioso. Puxamos um assunto bobo “conhece esse livro?” , e daí pra frente é tudo tragédia.

A conversa seguia vazia, mas os olhares cheios, mais olhávamos do que falávamos. De repente reparei suas patas de passarinho, ela tinha olhos brilhantes e uma boca sexy, mas suas patas de passarinho começaram a me incomodar, criei formas de conversar sem precisar olhar para elas, elas apoiadas no encosto da frente, na altura dos olhos, eram reais patas de passarinhos, secas, escuras nas juntas e com garras enfiadas na carne.

Na luta por não olhá-las debatei a cabeça algumas vezes, em uma delas devo ter mergulhado ( involuntariamente) para um beijo, e foi aí, só aí que ela cometeu a reciprocidade. Beijamos no ônibus que ia pra lugar nenhum, ela com as patas de passarinho resolveu fazer-me um carinho, senti suas garrinhas de condor passando pelo meu pescoço e entrando nos apertados poros da minha barba recém feita.

E foi por isso, por isso que levantei, fui embora e nem troquei telefone. Não gosto de mulheres com patas de passarinho.

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