quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Um amigo que mora na minha cabeça

Uma luz tombada na pracinha, em homenagem a um músico cansado. Voltou para casa pé (vacilante) ante pé (indeciso), desde a lonjura da casa dela assobiou umas notas falsas, o músico cismado, cismou que estava com os lábios desafinados. Com os olhos profundos e a camisa úmida, não tinha pra quem olhar, nem porquê manter-se seco. Deixou a chuva encher seus bolsos e desenrolar os cachos em longas faixas escuras esparramadas pela testa. Só queria de volta a afinação e o feeling musical, se pegou gostando de um samba antigo, mal tocado na caixinha de fósforos, se pegou gostando de um musicão melado tocando no rádio do vizinho. Esfarelado no molhado. “A sombra de quem é feliz... A sombra...”. Não conseguia. Repetia versos ruins, nublados e polifônicos. As palavras pareciam só significar coisas, “luz” parecia só aquele pedaço de vidro curvado que ilumina as casas, assim como "casa" parecia só o lugar que abrigava seu quarto, onde ficava sua cama, onde ficava a paz. O nariz apontado pro teto, os olhos apontados pra dentro, não conseguia nada, não conseguia. A academia de música em Paris, o “nenhuma” que escreveu naquele e-mail e depois ficou cismado entre “nenhuma” e “nem uma”, a vontade de corrigir todos os e-mails que enviou na vida, a vergonha de imaginar alguém lendo seus erros de português. Assobiou uma nota de Hadestown, merda, ainda desafinado.

-Alô?

Era engano. Mais um engano.

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