sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

É sempre bom lembar

HAMLET

Peço uma coisa, falem essas falas como eu as pronunciei, língua ágil, bem claro; se é pra berrar as palavras, como fazem tantos de nossos atores, eu chamo o pregoeiro público pra dizer minhas frases. E nem serrem o ar com a mão, o tempo todo; moderação em tudo; pois mesmo na torrente, tem-pestade, eu diria até no torvelinho da paixão, é preciso conceber e exprimir sobriedade - o que engrandece a ação. Ah, me dói na alma ouvir um desses latagões robustos, de peruca enorme, estraçalhando uma paixão até fazê-la em trapos, arrebentando os tímpanos dos basbaques que, de modo geral, só apreciam berros e pantomimas sem qualquer sentido. A vontade é mandar açoitar esse indi-víduo, mais tirânico do que Termagante, mais heróico do que Herodes. Evitem isso, por favor. (...) Mas também nada de contenção exagerada; teu discernimento deve te orientar. Ajusta o gesto á palavra, a palavra ao gesto, com cuidado de não perder a simplicidade natural. Pois tudo que é forçado deturpa o intuito da representação, cuja finalidade, em sua origem e agora, era, e é, de exibir um espelho à natureza; mostrar à virtude sua própria expressão; ao ridículo sua própria imagem e a cada época e geração sua forma e efígie. Ora, se isso é exagerado, ou então mal concluído, por mais que faça rir ao ignorante só pode causar tédio ao exigente; cuja opinião deve pesar mais no teu conceito do que uma platéia inteira de patetas. Ah, eu tenho visto atores - e elogiados até! muito elogiados! - que, pra não usar ter-mos profanos, eu diria que não tem nem voz nem jeito de cristãos, ou de pagãos - sequer de homens! Berram, ou gaguejam de tal forma, que eu fico pensando se não foram feitos - e malfeitos! - por algum aprendiz da natureza, tão abominável é a maneira com que imitam a humanidade!

William Shakespeare - Hamlet

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