terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Anarquia praiana.

A gente atravessava uma mata molhada, úmida e de um verde falso. Um verde que arrombava a escala de cores. Dois paredões vivos protegiam a trilha de areia misturada com cascalho e pegadas antigas. Sempre o caminho foi esse, passávamos com exatidão no meio da trilha, nem pendendo para a esquerda, nem para a direita, com os dedos dos pés sempre apertados, tínhamos medo de bichos. Da casa branquinha no começo da trilha, até a praia bege de fundo azul no final da jornada. Quando passávamos juntos acontecia o ritual dos olhares ao redor, quando separados passávamos correndo na reta. Quando sozinhos tentávamos andar sem encostar os pés no chão, como se sozinhos os bichos pudessem nos achar mais frágeis e indefesos. O Paulinho tinha o recorde de ter passado o caminhozinho pisando apenas cinco vezes no chão, e no final ele deu uma “voada”, só que não soube explicar como, só sabemos que ele deu mesmo uma “voadona” até a praia. Meu pai não tinha desses problemas, passava sempre de tênis. Minha mãe também não, nunca ia até o final da estradinha, sempre gritava do começo “vem comer” ou “cuidado com o mar”, mas nós, os primos, tinhamos problemas sim. E o ritual se repetiu por anos e anos, até o dia que fui para a casa de praia com 15 anos. Estávamos todos passando na estradinha com meu primo de guia. A estradinha que com 7, 8 anos era formada por longos 30 passos, hoje em dia se bastava em 7, mas foi então que no quinto passo meu primo parou. Parou. Virou. Parou e se virou, estendeu o braço e curvou os arbustos para entrar direto no inferno de besouros, vespas e cobras de 3 metros (segundo minha mãe havia descrito anos antes). Ficamos paralisados diante da primeira anarquia praiana, resolvemos (em segundos e sem conversa nenhuma) entrar também, curvamos o arbusto e vimos o primo-guia parado olhando pro chão, paramos ao seu lado e vimos plásticos velhos, marrons, amarelados, esticados, enrolados, com nó. A prima Sarah foi a primeira a dizer: “ Ih ! É camisinha! Camisinha usada!”. Saímos todos correndo, naquela noite fiquei pensando se ainda era virgem, mesmo depois daquela visão, resolvi que ainda era. Sonhei com meu pai de tênis e minha mãe de avental. No dia seguinte acordei cedo, meti a cabeça na janela e vi meus primos correndo pela estradinha, pulando como antigamente, logo sai e fiquei parado na frente da estradinha, tomando coragem para atravessá-la. Não tinha motivo pra correr, por que meus primos teriam voltado então ao antigo ritual? Quando foi minha vez de passar me dei conta, também passei em 5 passos, com os dedos apertados e pisando com os calcanhares, de quebra ainda voei no final, fiquei com nojo de pisar em alguma coisa também. Aliás, nunca mais ninguém quis comer o pavê com claras em neve da minha mãe ( comíamos quando em casa, na praia nunca mais. )

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