domingo, 17 de abril de 2011

Sobres cães, nomes e papagaios

1 – Foda que eu não sou infeliz todo dia, se eu fosse seria melhor, e aí, em um dia eu me iludo e fico querendo aquilo pro mês todo, fico mal acostumado com meia dúzia coisas legais que me acontecem. Percebo a tristeza nas pessoas, os olhos fundos como pássaros no fundo do céu, sentem como se todos fossem ex namorados da minha ex namorada e se correspondessem comigo nessa mudez que assola os bares e restaurantes.

2 – E eu? Eu não posso ver nada cara, suco de uva caindo no copo me deprime. Ver o vazio ficando roxo me dá uma angústia, como se toda pureza tivesse indo embora aos poucos. Como se a alvorada não pudesse resistir mais nenhum segundo, o dia ta mais cansado que a noite e a luz mais gasta que a escuridão. A noite, quando tá morna, me deixa meio sem jeito, como se tivesse procurando lugar no meu corpo, ou uma cara certa pra ficar. Já te disse do meu pai? Te falar do meu pai. Um dia tava em casa, minha mãe, minha tia, meu irmão, esperando meu pai pro jantar, ele demorou, celular desligado, ninguém sabia de nada, eu era moleque e minha mãe começou a ficar brava, achando que ele tivesse na zona, meu irmão já ficou contra, falando um monte, do lado daminha mãe, e minha tia defendendo, até que três e pouquinho minha mãe ligou pra polícia, desaparecido. Eu tava morrendo de medo, sentia como se meus dentes e unhas tivessem descolando do corpo, parecia que eu tinha uma espiral no estômago, fiquei na janela, depois comecei a... Fui ver a rua, abri a porta e vi umas sirenes girando e tocando e chegando do final da noite, olhei pro chão e tava o meu pai, morto no tapete, ele morreu na porta de casa, chegando pro jantar. E minha mãe chamou meu pai morto de “safado” e de “mulherengo”. Eu tirei o prato dele da mesa.

1 – Eu não sabia disso.

2 – Nem eu. Eu nunca tinha organizado isso, assim, em palavras, eu lembrava só das imagens soltas e tristes em alguma parte da cabeça, valeu cara.

1 – Por nada. Só ouvi.

2 – Ouvir é que nem tocar um instrumento, você precisa saber quando colocar os silêncios, e você sabe, você é um bom amigo.

1 – Quando minha cachorra morreu, meu pai comprou outra, a cachorra ficou lá um tempo, substituindo a antiga, um dia, alguém foi perguntar alguma coisa da cachorra e ficou um climão cara, nós não tínhamos dado um nome pra cachorra nova, não foi como devia, como todas as famílias são, não pensamos juntos num nome pra cachorra, ela tava lá só por obrigação, porque não queríamos sentir a falta da cachorra antiga, ela era só a cachorra nova.

2 – E aí cara?

1 – Minha mãe não disse nada, no outro dia a cachorra foi pra casa da minha tia e minha mãe comprou um papagaio. O Sheik. Sempre achei o Sheik deslocado lá em casa, sempre que eu olho pra ele, eu me lembro da família de merda que nós somos, e acho que não sou só eu, já peguei meu pai chorando na frente do papagaio. Minha irmã, minha mãe. A gente conversa tão pouco que o papagaio não fala nem “boa noite” cara, aliás, minha mãe também não disse nada, só um dia ela comentou – Sua tia Tânia disse eu essa espécie não é de falar muito. Pra ter um papagaio que não fala, era melhor ter ficado com a cachorra sem nome!

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