terça-feira, 29 de junho de 2010

Energia baixa

Estou cansado fisicamente. Terminando meu romance (que ta me consumindo de canudinho), concluindo meu curso de “contação de histórias”, ensaiando com os Satyros de segunda a sexta, correndo atrás da minha personagem, vendo todos os filmes que ainda não vi , lendo tudo que não li, lendo um romance, lendo quadrinhos importantes, escrevendo histórias infantis, ficando noites acordado procurando o que mais fazer com meu tempo. Quase todas essas atividades me exigem mente, mas é meu corpo que falha, estou romantizando ficar na cama pensando e ditando coisas para minha mãe, seria lindo, triste e poético. Talvez eu escreva sobre isso também. Tenho andado com a cabeça num ângulo baixo, nada pessoal. É só um sono que não passa dormindo... E o mais engraçado é que todo mundo acha que eu não faço nada da vida...

sábado, 26 de junho de 2010

Alberto e eu .

Não sei por que me sinto obrigado a escrever sobre ele, talvez por não ter dito nada de significante no tempo em que convivemos. Um enorme mestre da vida, um homem de teatro. Isso é forte, isso é louco. Fico pensando em quantas pessoas passaram por sua vida, quantas pessoas ouviram falar dele, quantas pessoas ele conheceu , amou e agora deixa com saudades. Cada passo, cada palavra se repete agora na minha cabeça, cada cara de zangado que fazia pra conseguir um riso dos alunos, cada gentileza. Penso nele como um homem importante e ocupado, que nesse meio tempo, um dia tirou alguns minutos pra falar comigo, comentar, aconselhar, sugerir... E nesses minutos deu-me coisas para a vida toda, penso na dor de conhecê-lo bem, a dor de hoje, tê-lo como amigo, perder esse amigo deve doer, se me dói perder essa referência, esse professor, penso no quanto ele deveria ser envolvente como amigo, um amigo que eu pretendia ter na vida. Queria que ele soubesse que estou lá, valendo sua luta, ensaiando sua peça, pisando com amor onde ele amou e pisou. Quando queria impressionar meus pais, dizia que ele havia elogiado minha cena, mentia mesmo. Quando o encontrei por aí e ele lembrou-se do meu nome, fiquei feliz. Depois de um tempo percebi que a barreira aluno-professor fora inventada por mim. Ele me chamava de “Marcinho” e eu chamava-o de “Professor”. Só entendi isso a pouco tempo, faz pouco tempo que entendi que tive um amigo que nem percebi, um amigo que falou bem de mim enquanto eu o admirava de longe. Saudades do professor que me fez perceber melhor o Teatro, saudades do meu quase-amigo e eterno mestre Alberto Guzik. Paz.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

19 (eng)anos

Existem noites onde nem todo o sexo oral do mundo pode trazer felicidade. Não sei se é coisa de coração adolescente ou de mente vazia, mas existem noites assim. Onde a volta pra casa mais parece a volta pro nada, onde as pessoas na rua ( as felizes) parecem que provocam, falando alto, bebendo e sorrindo. Num dos momentos mais felizes da minha curta vida me vem uma dessas noites e vem assim, entre meus irmãos, entre bons motivos para não recebê-la, mas eu a recebo atrás dos olhos, na boca seca e até no cabelo, que nessas noites, até parece feio. Vontade de ter algum vício, amanhã passa.

domingo, 20 de junho de 2010

O Homem

O dia do homem, assim que defini enquanto voltava pra casa, todos esses dias de lá pra cá, tenho lido, pensado, feito essas coisas... Mas hoje não. Hoje eu joguei futebol, coisa que não fazia a muito tempo, suei, fiquei sem camisa, senti o peito estourar e as coxas latejando, senti calor e frio, calor na pele e frio nos outros orgãos. O dia do homem é necessário, tenho certeza que a semana será mais leve, o suor lava o cansaço. Homem precisa suar. Arder para inflamar... O cansaço é anestésico, rolei no asfalto, bati canela com canela. Mãos sujas e cabelo seco de futebol e fumaça dos carros... Preciso lembrar disso, não posso mais esquecer dos meus músculos adolescentes, preciso sempre cansar e doer. Os homens precisam.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Expulso Por Bom Motivo - Bertold Brecht

Eu cresci como filho
De gente abastada. Meus pais
Me colocaram um colarinho, e me educaram
No hábito de ser servido
E me ensinaram a dar ordens. Mas quando
Já crescido, olhei em torno de mim
Não me agradaram as pessoas da minha classe,
Nem dar ordens nem ser servido
Então deixei minha classe e me juntei
À gente pequena.

Assim
Eles criaram um traidor, ensinaram-lhe
Suas artes, eles
Denuncia-os ao inimigo.

Sim, eu conto seus segredos. Fico
Entre o povo e explico
Como eles trapaceiam, e digo o que virá, pois
Estou instruído em seus planos.
O latim de seus clérigos corruptos
Traduzo palavra por palavra em linguagem comum, então
Ele se revela uma farsa. Tomo
A balança da justiça e mostro
Os pesos falsos. E seus informantes relatam
Que me encontro entre os despossuídos, quando
Tramam a revolta.

Eles me advertiram e me tomaram
O que ganhei com meu trabalho. E quando não me corrigi
Eles foram me caçar, mas
Em minha casa
Encontraram somente escritos que expunham
Suas tramas contra o povo. Então
Enviaram uma ordem de prisão
Acusando-me de ter idéias baixas, isto é
As idéias de gente baixa.

Aonde vou sou marcado
Aos olhos dos possuidores, mas os despossuídos
Lêem a ordem de prisão
E me oferecem abrigo. Vocês, dizem
Foi expulso por um bom motivo.



Bertold Brecht Poemas 1913-1956


Seleção e tradução de Paulo César de Souza.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Muita poesia

Tem muita gente falando, pouca gente escutando, é muito poeta pra pouca audição. Tem muita gente versando por aí, estão secando as palavras, chuva, a palavra "chuva" é tão linda, azul, molhada, com som de chuveiro no quente... Mas estão acabando com ela, estão falando tanto de tudo, poetizando tanto todas as coisas, que eu não agüento mais redefinir as palavras pro meu universo, estão acabando com os reais significados e imagens de infância. Ou eu paro de ler ou as pessoas vazias param de escrever, ou os poetas assassinos param de matar ou eu paro de viver nos teus poemas.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

A Gordinha Safada ou O Trocado na Sambaiba

Sempre na volta dos ensaios a gordinha preenche a viagem com seus olhares e sorrisos. Eu fico lá, olho e dou meus sorrisos, ninguém se fala, não precisa, interessante é ter com quem sorrir o caminho. Não tenho interese em puxar assunto e acho que nem ela, mas hoje a gordinha fez uma das dela, cheguei no ônibus e fiquei fora do campo de visão da menina, quando fui espiar, lá estava ela sorrindo e olhando outro cara, fiquei olhando de longe e ela nem me reparou, o cara avisou que a mochila estava aberta, ela sorriu, agradeceu e saiu. Eu fiquei lá trocado e esquecido, sem sorrisos.

terça-feira, 8 de junho de 2010

O Exército do Brasil

2º Chamada e lá vou eu, procurei o melhor da situação, voltei com algumas coisas que só podem acontecer num Brasil às 7 da manhã. O soldado sério, todo formal leu no mínimo 2000 nomes sem errar nenhum, voz limpa, peito cheio, mas no último, justamente no último ele cometeu:


Luís Fernando Migui...Migli... Mi... Caraio hein mano?

Antes disso o soldadinho magrelo chamou um outro lá, de repente sai do meio da molecada um senhor. Um cara de uns 40 anos, barba branca até.

- O senhor passou do tempo do alistamento hein?

- Tenho 27 anos só de empresa rapaz!



E por fim, sejam todos bem vindos a Força Aérea do Brasil!

Dois mil jovens simultaneamente:


- AÉREA!? AQUI NÃO É EXÉRCITO?

- Então parece que não avisaram, aqui é pra quem quer aeronautica.


Menino solto pergunta:

- Moço, quem colocou "Sim" onde perguntava se queria servir, vai servir?

- Provavelmente. Terá mais chances que os outros

- É que da outra vez eu coloquei errado e não podia rasurar.

- Você vai tomar “uma cansada dos cara"




Coisa boa do dia, o lema do exército, eu já conhecia, mas não tinha sacado a beleza.


Exército Brasileiro, braço forte e mão amiga!

sábado, 5 de junho de 2010

Capitulo quatro –

Odete tenta retomar a vida no dia seguinte. Por sorte, dia de feira. Entre cenouras e cebolas Odete pode não pensar na morte, tenta superar de alguma forma, tenta esquecer o marido morto e vivo nos cabelos da filha, tenta não odiar Sarah pela sua viuvez. Escuta um rosnar por trás da banca de frutas, uma velha falando em árabe, Odete perde o norte e deixa as maças da sacola rolando pela calçada, a velha assusta-se, pergunta em árabe se esta tudo bem, grita se alguém sabe o que esta acontecendo, seu filho traduz, Odete convulsiona no choro, corre para casa. Grita para a filha:

- Sarah! Sarah!

- Oi mãe? Que foi?

Na sua loucura:

- Foi seu pai! Agora querem eu! Na feira! Você não sabe, cuidado filha, não fala com ninguém que você não conhece! Não fala!

Também desesperando:

- Como assim mãe? Quem? Quem? O que falaram? Cuidado o quê?

- Tava na feira! Não sei! Uma mulher tava rezando o pai nosso de trás pra frente! É morte! Entendeu? Morte!

Compreende e assusta com a superstição e a imagem do pai nosso no espelho:

- Como assim? Mãe. Calma. A senhora ta impressionada, vai deitar que eu te levo alguma coisa pra comer.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Minha tia

Sonhei com minha tia que morreu com 87 anos, minha querida tia que conheci assim que nasci, minha tia que via em mim o filho que nunca teve, via em mim o reflexo do meu pai. Saudades da minha tia, as vezes, quando feliz, ela colocava a língua pra fora, me lembrava Einstein, mas agora Einstein que me lembra uma fase boa da minha vida, a fase onde minha tia tentava cozinhar algo gostoso e a fase onde eu não dava muito valor pra aquela velhinha que vivia querendo fazer-me comer. Saudades dos cabelinhos brancos, das blusas cortadas, dos olhos escuros, fundos e sábios, ela não teve tempo de ver-me cair nos braços do teatro, mas sempre disse que eu seria ator ou comediante, o Marcinho era tao engraçado. Lembro do jantar com minha tia, ela sentadinha na ponta da mesa, tão pequena que quase via-se só o topo da cabeça poente atrás da madeira. Era branca, tão branca. Com uns 10 anos eu descobri seu nome, não sabia mesmo, só chamava de tia, e meus amigos e meus pais, tia pra todos. Veio da Espanha, nunca se casou, nunca namorou, acho que morreu virgem. Minha tia foi um passarinho. Nesse meu sonho ela ali viva, olhando-me, mas eu a agredi, no sonho existia algo ali, um possessão demoníaca, acordei com medo de sonhar de novo aquilo com minha tia passarinha, só quero sonhar com a fritada de batata e o suco de laranja (com crosta de açucar no fundo)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Neruda

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca. Não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos.

Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.

Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar.

Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.

Pablo Neruda