quinta-feira, 20 de maio de 2010

Um perdido

Mil caíram ao meu lado e dez mil a minha direita, mas não fui atingido. Meu coração ateu então repousou a mão e recarregou a pistola. Deus estava pronto pra cuspir fogo no inimigo. Qualquer coisa de homem que habitava em mim, saiu com medo da minha alma, arrombei uma testa como quem vara porcelana, não hesitei, nem meus camaradas procurei com a periférica, foi o momento supremo onde me tornei Deus, um Deus de guerra e corpo fechado, o soldado que a pouco fora menosprezado pela morte, grita em rajadas para que o trem volte e o leve com os mil e os dez mil de sua direita. A fera embotada de sangue e folhas. Só podia olhar para frente, atrás jaz muita derrota, caminhei como pude através da morte sem pátria dos meus inimigos e de meus camaradas, pelo caminho não vi salão oval nem palácio dos bandeirantes, só trilhei um caminho sem volta para o meu inferno pessoal. Ainda que eu vença, seja lá o que significa “vitória” para eles, não terei para onde ir. Senti o clique seco da glock na nuca, um Deus engasgado é sorte ou revés para um esquecido na vida? Revés para ele, já visualizava a queda quando do meu lado foi a vez da minha fé falhar e não ser o bastante. Quando olhei nos olhos não arrebentados de novo não hesitei, como se já planejado, detonei técnica e força, poupei energia e quis ver o inimigo dobrado. Cai primeiro e o trouxe no peito, a energia vacilou e ainda levantando recebi o pisão no rosto, do gosto de boca na guerra veio o gosto de sangue, tentei três ou quatro posições, mas foram todas inúteis, havia virado vitima e rolei pela terra. Senti solidão e ainda que fora do regulamento esqueci do combate e pensei no porque dois homens se encontram no meio de uma clareira e se golpeiam até a carne cansar de bater em carne, então o erro, senti seu peso sobre mim e recriei o combate, eu havia dominado um cadáver, meu algoz jaz cadáver, vitima da morte e não minha. Que espécie de corpo fechado ou fé pode enfartar um carrasco antes da execução? Se aprendi algo no exército é que não existe ninguém especial, ser especial é se sentir no direito de desacatar o mundo, me senti um desacato completo.

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