quinta-feira, 29 de julho de 2010

Garcia Lorca

Perdi-me muitas vezes pelo mar,
o ouvido cheio de flores recém cortadas,
a língua cheia de amor e de agonia.
Muitas vezes perdi-me pelo mar,
como me perco no coração de alguns meninos.
Não há noite em que, ao dar um beijo,
não sinta o sorriso das pessoas sem rosto,
nem há ninguém que, ao tocar um recém-nascido,
se esqueça das imóveis caveiras de cavalo.
Porque as rosas buscam na frente
uma dura paisagem de osso
e as mãos do homem não têm mais sentido
senão imitar as raízes sob a terra.
Como me perco no coração de alguns meninos,
perdi-me muitas vezes pelo mar.
Ignorante da água vou buscando uma morte de luz que me consuma.

Federico Garcia Lorca

terça-feira, 27 de julho de 2010

Carta para Otávio

Otávio, Otávio... Minha vontade era te matar pra ficar com você, pra cuidar de você e não deixar mais ninguém te machucar, tenho vontade de cuidar de cada poro teu. Loucura minha, mas quero soprar cada poro teu, te refrescar no verão, não te deixar suar nunca mais. Quero beijar cada parte seca do teu corpo. Otávio, Otávio... Eu queria observar tua alegria, queria te avisar que ta sol antes de você levantar e te dar todas as boas notícias da tua vida. Meu plano era te ver todos os dias, antes de todo mundo. Aliás, eu nem te queria nesse mundo. Queria tudo isso, queria passear com você e descobrir alguma flor desconhecida, batizar com teu nome e plantar um pezinho no quintal. Desse jeito você vai achar que eu te amo, mas é o contrário, tou dizendo aqui que eu não te amo e que isso que eu sinto por você é uma loucura minha por culpa tua. Eu não te amo. Esse é o fim da gente, tou namorando o Carlinhos e ele sim eu amo de verdade.

Beijos.



Terminou de escrever e guardou na gaveta. Quatro meses depois tirou da gaveta e entregou na aula de português. Quatro anos depois, tirou da gaveta e rasgou.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A vida tem que doer um pouco se não a gente acha que não ta vivendo direitinho né parceirinho?

As vezes fico percebendo que meus pais já foram casados, meu pai já foi jovem, minha mãe já foi mais feliz, meu irmão já foi filho único, minha casa já foi mais bem decorada, minha cachorra já foi solteira, minha tia já foi viva. Essas coisas mudaram e eu sei que mudaram, mas não as conheci antes, não sei se ficaram melhores assim, mas mesmo assim sinto que faço parte de um presente desencaixado na vida das pessoas, de certas pessoas. Até comigo já aconteceu, mas comigo eu sei o que ficou melhor depois da tempestade, eu já fui mais namorado, já fui menos ocupado, já fui mais sonhador. Já tive amores mais impossíveis e por incrível que pareça, sinto falta deles, de todas elas que eu nunca tive, nem nunca terei, sinto falta de sofrer um pouquinho, mas só um pouquinho...

domingo, 18 de julho de 2010

Antes de dormir e depois de acordar

As vezes a gente percebe que deixou de ligar pra uma coisa que a tempos atrás te fazia respirar, não sei você, mas eu sinto como se tivesse morrido um pouco, matado um tesão, um amor, um amigo, um tempo. Prioridades são cruéis, meu trabalho tem acabado com uma parte do meu passado, sou um cara bitolado com as coisas, e vivo o futuro apagando algumas coisas do passado, na hora me faz bem, mas antes de dormir eu tenho dó de quem eu esqueci, tenho dó da minha vida, dó de não ter me apegado, lutado, perpetuado aquela pessoa em mim, não gosto de coisas finitas.

Potência

Hoje entrei no banheiro de uma padaria, entrei direto e cruzei com um velho que estava impaciente no mictório, respeitei a regra do mictório de distância e o velho pareceu ficar mais impaciente ainda, fui lavar as mãos e o velho cada vez mais impaciente, começou a chacoalhar o pinto como se fosse televisão, que a gente da umas batidinhas e funciona, sequei as mãos e ele olhava-me com olhar piedoso, quase como se quisesse minha bexiga emprestada, fui embora pensando no velho que entra e demora meia hora pra mijar. Senti que usar o mictório próximo ao dele, foi uma falta de respeito, foi ofensivo ser jovem.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Koltès e a epifania

Por onde você passou?

" Por cima. Não se pode escapar através dos mros, porque depois desses muros tem sempre outros, tem sempre a prisão. É preciso escapar por cima, em direção ao sol. Nunca vão por um muro entre o sol e a terra."

De onde vem sua força?

" Quando eu avanço eu vou até o fim, bem rápido, e não vejo os obstáculos, e como eu não olhei pra eles, eles caem desabam sozinhos na minha frente. Eu sou solitário e forte como um rinoceronte."

Não se pode matar as pessoas!

" E não tenho inimigos e eu não ataco. Eu acabo com os outros animais não por maldade mas porque eu não os vi e porque eu pisei em cima deles."


Roberto Zucco

terça-feira, 13 de julho de 2010

Não paro.

De algum tempo pra cá eu parei de dormir, durmo duas, três horas por dia, outros dias (como hoje) eu não durmo nem uma hora, no dia seguinte eu compenso dormindo cinco ou seis horas. Vejo filmes, leio livros, escrevo coisas... Não sei qual meu problema ou solução, sou medroso tou com medo de morrer com 25 anos e um trabalho pela metade, mas ao mesmo tempo acho bom, porque se eu morrer aos 25 anos pelo menos terei criado bastante, lido e assistido muita coisa. Em todo caso preciso parar, pessoas normais não escrevem contos infantis as quatro horas da manhã. Essa é a promessa, concluir todos os textos e voltar ao sono regular. Nas longas madrugadas as vezes dou pra reavivar algumas memórias... É tão bom lembrar, lembro de noites de mulheres de pessoas de esperanças, lembro até de frases, conversas. Tem sido uma fase tão boa, acho que não durmo com medo de que acabe...

sábado, 10 de julho de 2010

Um domingo qualquer

Num domingo qualquer que a gente esbarra no passado, a vida ganha um tom dramático, você reconhece a falha trágica no caminho de vocês, você reconhece que o passado sempre é feito de concreto. As vozes no reencontro podem estar diferentes, mas todas as palavras são iguais, o som de cada palavra e sílaba ecoa nas outras situações, nas outras vezes em que dissemos "oi" e "até mais", e num domingo qualquer o perdão vem no olhar perdido, no que nunca foi dito e no sol, dourado e metálico perpetuando a imagem de duas pessoas sozinhas num caminho, duas pessoas sozinhas entre ferro, asfalto e o resto do mundo. Nesse domingo qualquer você canta "In My Life" enquanto volt pra casa...

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Preconceito burro

Todo preconceito é burro por excelência, entretanto me peguei numa burrice dessas, cheguei em casa e alguns dvds estavam em cima da mesa, olhei e li esses nomes com "amor ", "lugar ", "feliz", fiquei meio assim, pensei nas comédias (chatas) românticas que minha mãe tem mania. E lá tinha um "Redenção" (The Stan Tookie Williams Story) fiquei meio assim, li na sinopse que o filme contava a história do fundador da maior gangue de rua dos Estados Unidos, já pensei em armas, metralhadoras e loiras fabricadas, fui vendo que o filme tinha alguns prêmios e contava com o incrível Jamie Foxx no elenco, dei uma chance e o filme me arrebatou, virei a madrugada assistindo, intenso e vibrante, um filme forte, não contei nem três armas no filme inteiro, tamanha a delicadeza do diretor, não o conhecia, chama-se Vondie Curtis-Hall, o cara cria uns climas, usa uns tons foscos, achei um lindo trabalho, todo amarrado deixando a história do fundador da Crips, bem clara, Foxx também intenso, apesar de eu acreditar que faltou-lhe um pouco de coragem, Foxx esta brilhante, quase foi um trabalho epifanico, morreu na praia, mas valeu a viagem... Tanto tempo que não recomendo nada aqui, esse valeu a pena e fez-me morder a língua do pensamento "Putz tenho tanta coisa pra ver e vou ver isso? Devia tar vendo um Godard...”.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Filosofia estética

Acho louco que alguns atores insistam em começar pelo lado oposto. Picasso só pintou a Guernica porque sabia pintar uma guerra, ele não partiu para a desconstrução só porque achou mais legal. O expressionismo só existe a partir do realismo, tudo vem do real, se você não sabe fazer o real não pode sair propondo suas variações. É preciso ser senhor da matéria prima. Essa é a diferença entre um trabalho realmente interessante e uma proposta puramente estética, a profundidade está no real reorganizado e não na loucura sem princípio, desmedida e órfã. Sinto que falei o óbvio...

sábado, 3 de julho de 2010

Roda Viva

Tem dias em que você acorda e parece gostosamente sozinho na sua vida, como alguém que passa por trilhas e caminhos sem deixar marcar, como um ator que pisa um palco de madeira maciça e deixa somente a energia resvalando e fluindo, sem marcas físicas ou dívidas sentimentais, meus pais dormem e eu me sinto assim no meio da madrugada. Dias onde você acorda e sabe que se acordar na Argentina ou no Tibet, o resultado será o mesmo, você terá entrado na roda viva da vida. É como sair solteiro na rua e viver momentos cheios de possibilidades, não namorar me acalma de certa forma, faz-me sentir mais livre e esse alívio louco vem só de uma coisa: Estou começando a achar a minha personagem. Eu vinha sentindo-me um merdinha. Achando que não estava dando a devida atenção as minhas 8 falas, pois bem. Alguma coisa no inconsciente trabalhava sorrateiramente enquanto aqui no país do consciente eu focava em outra coisa, agora acho minha personagem, termino meu romance, concluo meu curso e assisto um projeto menor acontecer, a roda viva se fecha. Como dica, lanço no ar a minha mais nova teoria, realização atrai pessoas mais bem humoradas e mulheres mais quentes.


Parafraseando: Chico Buarque e Kevin Arnold ( Anos Incríveis) ps: mas só porque hoje eu tou meio feliz.